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quarta-feira, 30 de março de 2016

A verdade começou a aparecer!

Procurador que representou contra Lula será demitido


A maioria do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) votou pela demissão do procurador Douglas Kirchner, acusado de ter agredido a esposa e a mantido em cárcere privado.
O que chama atenção na matéria não é o julgamento em si. Com as evidências levantadas contra ele, dificilmente Douglas escaparia.
Chamam atenção outros fatos.
Primeiro, a informação de que Douglas estava em estágio probatório. Segundo, o fato de, depois de cometido o crime, ter sido transferido de Rondônia para o centro político do país. Terceiro, a facilidade com que um procurador inexperiente, desequilibrado – como se viu – pode provocar uma crise política. Basta uma parceria com um veículo de mídia para provocar um fato político contra um ex-presidente da República (!).
O uso abusivo das prerrogativas, sem nenhuma espécie de controle interno, ainda vai custar caro ao MPF.
Da Folha
DE BRASÍLIA
29/03/2016  19h47
A maioria dos integrantes do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) votou nesta terça-feira (29) pela demissão do procurador Douglas Kirchner, acusado de agredir a mulher e mantê-la em cárcere privado, em Rondônia.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que preside o conselho, adiantou sua posição, favorável ao desligamento do colega. Se o plenário confirmar a decisão, caberá a Janot assinar o ato administrativo oficializando a demissão, já que Kirchner está em estágio probatório.
Se ele já tivesse obtido a vitaliciedade, após a sentença do CNMP, seria necessário a abertura de um processo judicial para referendar o veredicto do Conselho.
Embora oito dos 14 membros do colegiado já tenham se manifestado, o pedido de vista do conselheiro Walter de Agra adiou a conclusão do julgamento nesta terça. Isso porque o pedido de vista permite que mesmo quem já votou possa mudar de opinião e apresentar outro entendimento sobre o caso.
Kirchner ganhou notoriedade por atuado na investigação que apura suspeitas de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha cometido tráfico de influência em favor da Odebrecht. Os advogados do petista o acusam de negar acesso aos documentos do inquérito.
De acordo com a denúncia, os episódios de violência ocorreram em 2014, quando Kirchner e a mulher, Tamires Souza Alexandre, participavam da seita religiosa Igreja Evangélica Hadar, em Porto Velho, capital de Rondônia.
Ele é suspeito de agredir Tamires, acompanhar castigos físicos impostos a ela por uma pastora da seita, além de tê-la mantido em cárcere privado, com alimentação reduzida e sem acesso a itens básicos de higiene pessoal.
A comissão formada para apurar o caso em curso no CNMP ouviu testemunhas que tiveram contato com Tamires logo após ela conseguir fugir do alojamento onde era mantida. A vítima, porém, não prestou depoimento.
O próprio procurador admitiu que acompanhou algumas cenas de punições à mulher, mas sua defesa alegou que ele sofre de uma espécie de transtorno psiquiátrico por fanatismo religioso. 

terça-feira, 29 de março de 2016

O que virá depois de amanhã: cuidado brasileiros!

O hoje, o amanhã e o depois, por Wagner Iglecias

Por Wagner Iglecias
HOJE: Ao que parece conspirações frenéticas estão acontecendo com objetivo de aprovar rapidamente o impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Contra ela não há crime comprovado. Diferentemente do que acontece com seus algozes. Na Folha de hoje a insuspeita jornalista Mônica Bergamo já adiantou o que está acontecendo: o PMDB desembarca do governo e acelera o processo de impeachment, a ser conduzido por Eduardo Cunha. O qual já teria fechado acordo com Michel Temer para não ser cassado. Aprovado o afastamento de Dilma, Cunha deverá renunciar à Presidência da Câmara, mas continuará deputado, mantendo o direito ao foro privilegiado.
AMANHÃ: O provável governo Temer será baseado numa aliança entre os irmãos siameses PMDB e PSDB. Um mix entre pessoas como Temer, Serra e Renan, entre outros. Especula-se que Gilmar também poderia fazer parte deste governo. É algo muito difícil de acontecer, no entanto especula-se também que Sérgio Moro possa vir a ser indicado para uma vaga no STF pelo novo governo.
DEPOIS: Deverá ser implantada uma duríssima agenda de ajustes econômicos, com o peso recaindo exclusivamente sobre os trabalhadores (os pobres e os de classe média). O discurso de peemedebistas e tucanos é previsível: dirão que Dilma arrasou o país e que agora será preciso cortar na carne para recolocar a economia nos trilhos. O rolo compressor da direita deverá impor diversas medidas, não apenas econômicas, como as citadas abaixo:
a) o fim de qualquer tipo de indexação para o reajuste dos salários e dos benefícios previdenciários, prevalência das convenções coletivas entre patrões e empregados sobre as normas legais e terceirização total do mercado de trabalho, acabando na prática com a legislação trabalhista prevista pela CLT (possibilitando a informalização e a precarização completa da mão de obra, com facilitação inclusive para práticas de trabalho infantil e atividades análogas ao trabalho escravo);
b) desvinculação da Constituição dos gastos mínimos obrigatórios dos governos com saúde e educação;
c) privatização de todas as empresas estatais, nos âmbitos federal, estadual e municipal;
d) regulamentação da autonomia do Banco Central (que poderá passar a fazer política monetária a seu bel prazer e ao bel prazer dos rentistas, independentemente da vontade do Poder Executivo);
e) fim da exclusividade da Petrobrás na exploração do Pré-Sal e reinstituição do regime de concessão, de óbvio interesse das petroleiras estrangeiras;
f) fim da política de subsídios governamentais à política industrial e ao comércio exterior brasileiro;
g) fim do uso dos recursos do FGTS para financiar a expansão da política habitacional (Minha Casa Minha Vida);
h) cortes nos recursos dos programas de financiamento à educação superior (FIES e ProUni) e cortes nos recursos dos programas de formação técnica (Pronatec);
i) intervenção no Sistema Único de Saúde (SUS) (provavelmente visando a diminuição do repasse de recursos à saúde pública);
j) duro reajuste das tarifas públicas (energia elétrica, gás, telefonia, pedágios etc.);
k) forte mudança na Política Externa, afastando o Brasil do Mercosul, da Unasul e dos BRICS e redirecionando o país para acordos com os USA e a União Européia;
l) instituição do Estatuto da Família (que prevê como único tipo de família aquela formada por pai, mãe e filhos)
m) instituição do Estatuto do Nascituro (que ameaça os direitos reprodutivos das mulheres)
n) instituição do Estatuto do Desarmamento;
o) transferência ao Congresso Nacional da questão da demarcação de terras indígenas, hoje sob incumbência do Poder Executivo;
p) regulamentação de parcerias público-privadas para a administração do sistema penitenciário em todo o país;
q) Instituição da redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos;
r) alteração da Constituição para que entidades de cunho religioso possam propor Ações de Constitucionalidade perante o STF;
s) engavetamento de qualquer projeto de Reforma Agrária mais consistente;
t) engavetamento de qualquer projeto de regulação da propriedade dos meios de comunicação;
u) regulamentação da compra de terras por estrangeiros;
v) alterações na Lei de Biossegurança de modo a favorecer os fabricantes em detrimento dos consumidores;
w) regulamentação da dispensa de servidores públicos por insuficiência de desempenho;
x) estabelecimento do Código da Mineração, que favorece as grandes mineradoras;
y) engavetamento de qualquer projeto de Reforma Política que vise o aumento do poder do cidadão / eleitor;
z) engavetamento de qualquer projeto de Reforma Tributária de caráter progressivo, voltado a tributar mais os mais ricos e menos os mais pobres;
za) reforma da Previdência, de caráter prejudicial aos trabalhadores.
E tanta gente por ai achando que tudo se resume ao "combate à corrupção".

segunda-feira, 28 de março de 2016

Um olhar brasileiro sobre a crise no Brasil

Brasil caminha para polarização similiar à dos EUA, diz pesquisador

  • 28 março 2016
Há 25 anos nos Estados Unidos, o professor Vivaldo Andrade dos Santos diz que o acirramento da crise política no Brasil tem revelado uma polarização parecida com a existente na sociedade americana.
Para ele, o fla-flu em torno do impeachment da presidente Dilma Rousseff lembra a divisão que vigora nos Estados Unidos entre os partidos Republicano e Democrata, que se revezam na Casa Branca desde a Guerra Civil (1861-1865) e protagonizam as disputas políticas no país.
O professor de estudos brasileiros da Universidade Georgetown (Washington) diz notar, porém, uma diferença nos cenários políticos dos dois países: enquanto vários jovens brasileiros têm abraçado bandeiras conservadoras e assumido posições de liderança nas mobilizações contra Dilma, universitários americanos são a principal força por trás de Bernie Sanders, o pré-candidato à Presidência que se define como socialista.
Confira os principais trechos da entrevista de Santos à BBC Brasil.
Kuna Malik Hamad/Georgetown UniversityImage copyrightKuna Hamad I Georgetown
Image captionProfessor de estudos brasileiros conta que, com a crise, interesse por sua disciplina diminuiu
BBC Brasil - A crise alterou a procura por disciplinas sobre o Brasil na sua universidade?
Vivaldo Andrade dos Santos - Por volta de 2008 ou 2009, quando o Brasil ganhou as disputas para sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas, as matrículas cresceram muito não só em Georgetown, mas no país todo. Havia muito interesse pelo Brasil nas áreas de literatura, economia, business. Desde o ano passado e com a crise recente, esse interesse têm diminuído em termos de matrículas.
Os alunos são muito pragmáticos. Muitos querem trabalhar no Brasil, mas estão atentos quanto às (menores) possibilidades do mercado de trabalho.
BBC Brasil - Como os alunos têm encarado o momento no Brasil?
Santos - Há muita curiosidade. Na minha disciplina trato da ascensão do Lula. Eles querem muito entender o que está acontecendo com ele e com o projeto do governo. Muitos querem compreender o Brasil para um dia poder fazer algo pelo país.
Os jovens aqui nos EUA têm uma atitude mais socialista e democrática que na sociedade brasileira. Há uma mobilização grande dos jovens americanos em torno do Bernie Sanders.
Já no Brasil é curioso ver como muitos jovens na liderança do movimento pelo impeachment têm assumido um discurso anti-governo muito próximo das posições do Partido Republicano (conservador). As críticas que fazem aos programas sociais, à ideia de que o Estado dá o peixe em vez de ensinar a pescar são exatamente as mesmas que fazem os Republicanos americanos.
Parece que no Brasil a gente caminha para uma polarização muito parecida com a dos Estados Unidos.
APImage copyrightAP
Image captionBaixa popularidade de Obama não levantou discussão sobre impeachment, compara pesquisador
BBC Brasil - Por que acha que os jovens nos dois países têm posições distintas?
Santos - Muitos universitários no Brasil não sabem como eles mesmos se beneficiam do Estado, a começar pela educação pública. Para se formar médico, engenheiro ou advogado numa universidade pública no Brasil não se paga nada. As pessoas perderam a referência.
Já aqui nos EUA você não se forma sem sair da universidade com uma dívida de US$ 250 mil, US$ 300 mil (uma das propostas mais populares de Sanders entre eleitores jovens é tornar gratuitas as universidades públicas).
BBC Brasil - Quais as diferenças entre a polarização na política brasileira hoje e o embate entre democratas e republicanos nos EUA?
Santos - Há uns dois anos houve aqui nos EUA uma "greve" dos congressistas republicanos que paralisou a Câmara por duas semanas. Mas existe uma consciência de que se deve criar uma possibilidade de governabilidade, porque o país não pode ficar parado.
Houve um momento no governo de Obama em que a popularidade dele esteve muito em baixa, mas nunca se falou em fazer impeachment por causa disso. O americano acredita no processo democrático e aceita esperar a próxima eleição.
No Brasil me espanta que não se respeite um processo democrático simplesmente porque há baixa popularidade. Desde a reeleição da Dilma se articula uma espécie de desencantamento para tirá-la do governo. Acho que falta maturidade dos partidos opositores e de parte da mídia.
Agencia CamaraImage copyrightAg. Camara
Image captionSilva diz que impeachment traz o perigo de figuras como Bolsonaro se sobressaírem
BBC Brasil - Uma pesquisa recente do Datafolha mostrou que 68% dos brasileiros são a favor do impeachment. Não há apoio popular à troca de comando?
Santos - Nossa democracia é muito jovem. Um impeachment seria um retrocesso. Também acho que há uma construção, uma mobilização que aponta o impeachment como a única alternativa.
Falta uma discussão que vá além da questão do impeachment. Quem são as pessoas na linha de sucessão? Quem é a liderança que pode surgir desse impedimento? Não há na oposição alguém que concilie toda a sociedade. Há ainda um perigo de que figuras como Jair Bolsonaro e Silas Malafaia se sobressaiam.
O posicionamento golpista tem uma longa história entre as elites brasileiras. A nossa república foi fundada a partir de uma projeto militarista. O processo de modernização industrial era muito conservador, não inclusivo. É preciso por as coisas em contexto para entender a reação das pessoas nesse momento.
BBC Brasil - A oposição rejeita o uso do termo "golpe".
Santos - Hoje de fato não há necessidade de um golpe militar. O que mais me assusta é o Judiciário, porque você pode dar o golpe a partir da legalidade. É um outro tipo de golpe.
O Judiciário hoje pode passar por cima do Executivo e do Legislativo. Há juízes comprometidos com figuras e partidos que se beneficiaram de todo esse processo de corrupção. Falta isenção e imparcialidade.
Se hoje se pode fazer uma manobra para destituir a presidente, não há garantia de que em quatro anos e com outro partido no poder não se faça a mesma coisa. A qualquer momento qualquer candidato pode se sujeitar a uma intervenção por decisão de um juiz com interesses ideológicos.
BBC Brasil - A crescente polarização pode gerar violência?
Santos - Há essa possibilidade, porque há pessoas intolerantes em ambas as partes. Há um tipo de macartismo no ar que nos faz pensar na polarização entre esquerda e direita nos anos 1960. Havia na época o Comando de Caça aos Comunistas e também uma forte patrulha ideológica de esquerda.
Mas não acho que vá chegar em violência porque o Brasil tem certa maturidade para negociar conflitos. Acho que a intelectualidade brasileira, as pessoas mais informadas da esquerda e direita e os políticos de oposição devem trabalhar para que isso não ocorra.

Solidariedade internacional contra o golpe e a favor da democracia

Para intelectuais estrangeiros, democracia brasileira enfrenta ameaça

Um manifesto online, assinado por 51 acadêmicos especializados em estudos sobre o Brasil em universidades estrangeiras, diz que a democracia brasileira encontra-se “seriamente ameaçada” pelo atual clima político. O documento, que convoca intelectuais estrangeiros a aderirem ao texto, já recebeu mais de mil subscrições até a manhã de hoje (28), desde que foi lançado, há quatro dias.
Idealizado pelo historiador James Green, da Universidade Brown, em Rhode Island, nos Estados Unidos, e o sociólogo brasileiro Renan Quinalha, pesquisador convidado na Brown, o manifesto reconhece a legitimidade e a necessidade do combate à corrupção por meio de inquéritos como os da Operação Lava Jato, mas acusa o que seriam abusos na condução da investigação e afirma que “setores do judiciário, com o apoio de interesses da grande imprensa, têm se tornado protagonistas em prejudicar o Estado de Direito”.
“Tomamos a iniciativa de organizar esse abaixo-assinado por conta da grave situação política que o Brasil atravessa hoje. Recebemos uma chamada de acadêmicos brasileiros pedindo solidariedade na defesa da democracia e atendemos prontamente a esse chamado”, disse Green, por email, à Agência Brasil. “Nossa intenção foi somar a comunidade acadêmica internacional às diversas iniciativas que estão se proliferando pelo Brasil.”
Green é autor dos livros Além do Carnaval – A Homossexualidade Masculina no Brasil do Séc. XX(Unesp, 2000) e Apesar de Vocês – Oposição à Ditadura Brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985(Companhia das Letras, 2009), que analisa as relações Brasil-EUA no período e conta a história de pessoas que combateram o regime militar brasileiro a partir do país norte-americano.
O texto é assinado, entre outros, por brasilianistas como Barbara Weinstein (New York University), autora de diversos livros sobre o Brasil pós-colonial; Elizabeth Leeds (Massachussets Institute of Technology – MIT), que é também cofundadora e presidente de honra do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; e Jean Hébrard, professor na Ecóle de Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Assinam ainda intelectuais brasileiros que no momento atuam fora do país, como o especialista em literatura brasileira Pedro Meira Monteiro, que leciona na Universidade Princeton, em Nova Jersey, nos Estados Unidos, e o historiador Sidney Chalhoub, professor convidado na Universidade Harvard, em Massachussets (EUA).
Impeachment
No manifesto, os acadêmicos enxergam um sério risco de que a retórica contra a corrupção esteja sendo usada para desestabilizar um governo democraticamente eleito, citando que o mesmo expediente fora utilizado antes da queda do ex-presidente João Goulart (1964), dando espaço à ditadura militar subsequente. À Agência Brasil, Barbara Weinstein criticou o processo de impeachment em curso no Congresso.  
“Caso surjam evidências de algo mais sério do que 'contabilidade criativa', ou se você puder encontrar uma maioria de dois terços da Câmara dos Deputados que se acredite nunca ter cometido qualquer ato que possa ser descrito como 'corrupto' ou 'desonesto', então talvez eu possa considerar legítimo que eles decidam se Dilma permanece no cargo ou é impedida”, disse Weinstein. “Acho muito improvável.”
Para Chalhoub, um dos historiadores brasileiros de maior projeção internacional, “o processo de impeachment tem bases muito frágeis, como já mostraram vários juristas. E está sendo conduzido por parlamentares sobre os quais pesam acusações de gravidade ímpar. Destituir uma presidenta desse modo fragiliza a democracia, é um golpe contra ela, traduz apenas o inconformismo dos derrotados nas eleições de 2014. Esse é um momento decisivo da democracia brasileira”, disse ele à Agência Brasil.
Dos mais de mil subscritos no abaixo-assinado disponível no site Avaaz, grande parte é composta por acadêmicos do México e da Argentina, mas há intelectuais de países diversos, como África do Sul, Índia, Japão e Turquia.

Nazismo e direito e o Brasil

Um tribunal que julga de acordo com a opinião pública não deve ser comemorado, por Rubens Casara

Do Justificando
Rubens Casara
“Que teríamos feito sem os juristas alemães?”
- Adolf Hitler
Em 1938, o líder nazista Adolf Hitler foi escolhido o “homem do ano” da revista Time. Antes disso, Hitler figurou na capa de diversas revistas europeias e norte-americanas, no mais das vezes com matérias elogiosas acerca de sua luta contra a corrupção e o comunismo que “ameaçavam os valores ocidentais”. Seus discursos contra a degeneração da política (e do povo) faziam com que as opiniões e ações dos nazistas contassem com amplo apoio da opinião pública, não só na Alemanha. O apelo transformador/moralizador da política e as reformas da economia (adequada aos detentores do poder econômico) fizeram emergir rapidamente um consenso social em favor de Hitler e de suas políticas.
Diversos estudos apontam que a população alemã (mas, vale insistir, não só a população alemã) apoiava Hitler e demonizava seus opositores, inebriada por matérias jornalísticas e propaganda, conquistada através de imagens e da manipulação de significantes de forte apelo popular (tais como “inimigo”, “corrupção”, “valores tradicionais”, etc.).[1] Em material de repressão aos delitos, os nazistas, também com amplo apoio da opinião pública, defendiam o lema “o punho desce com força”[2] e a relativização/desconsideração de direitos e garantias individuais em nome dos superiores “interesses do povo”.
A “justiça penal nazista” estabeleceu-se às custas dos direitos e garantias individuais, estas percebidas como obstáculos à eficiência do Estado e ao projeto de purificação das relações sociais e do corpo político empreendida pelo grupo político de Hitler. Aliás, a defesa da “lei e da ordem”, “da disciplina e da moral” eram elementos retóricos presentes em diversos discursos e passaram a integrar a mitologia nazista. Com o apoio da maioria dos meios de comunicação, que apoiavam o afastamento de limites legais ao exercício do poder penal, propagandeando uma justiça penal mais célere e efetiva, alimentou-se a imagem populista de Hitler como a de um herói contra o crime e a corrupção, o que levou ao aumento do apoio popular a suas propostas.
Hitler, aproveitando-se de seu prestigio, também cogitava alterações legislativas em matéria penal, sempre a insistir na “fraqueza” dos dispositivos legais que impediriam o combate ao crime. Se o legislativo aplaudia e encampava as propostas de Hitler, o Judiciário também não representou um obstáculo ao projeto nazista. Muito pelo contrário.
Juízes, alguns por convicção (adeptos de uma visão de mundo autoritária), outros acovardados, mudaram posicionamentos jurisprudenciais sedimentados para atender ao Führer (vale lembrar que na mitologia alemã o Führer era a corporificação dos interesses do povo alemão). Vale lembrar, por exemplo, que para Carl Schmitt, importante teórico ligado ao projeto nazista, o “povo” representava a esfera apolítica, uma das três que compõem a unidade política, junto à esfera estática (Estado) e à esfera dinâmica (Movimento/Partido Nazista), esta a responsável por dirigir as demais e produzir homogeneidade entre governantes e governados, isso através do Führer (aqui está a base do chamado “decisionismo  institucionalista”, exercido sem amarras por Hitler, mas também pelos juízes nazistas).  
O medo de juízes de desagradar a “opinião pública” e cair em desgraça  - acusados de serem coniventes com a criminalidade e a corrupção - ou de se tornar vítima direta da polícia política nazista (não faltam notícias de gravações clandestinas promovidas contra figuras do próprio governo e do Poder Judiciário) é um fator que não pode ser desprezado ao se analisar as violações aos direitos e garantias individuais homologadas pelos tribunais nazistas. Novamente com o apoio dos meios de comunicação, e sua enorme capacidade de criar fatos, transformas insinuações em certezas e distorcer o real, foi fácil taxar de inimigo todo e qualquer opositor do regime.
Ao contrário do que muitos ainda pensam (e seria mais cômodo imaginar), o projeto nazista não se impôs a partir do recurso ao terror e da coação de parcela do povo alemão, Hitler e seus aliados construíram um consenso de que o terror e a coação de alguns eram úteis à maioria do povo alemão (mais uma vez, inegável o papel da mídia e da propaganda oficial na manipulação de traumas, fobias e preconceitos da população). Não por acaso, sempre que para o crescimento do Estado Penal Nazista era necessário afastar limites legais ou jurisprudenciais ao exercício do poder penal, “juristas” recorriam ao discurso de que era necessário ouvir o povo, ouvir sua voz através de seus ventríloquos, em especial do Führer, o elo entre o povo e o Estado, o símbolo da luta contra o crime e a corrupção.          
Também não faltaram “juristas” de ocasião para apresentar teses de justificação do arbítrio (em todo momento de crescimento do pensamento autoritário aparecem “juristas” para relativizar os direitos e garantias fundamentais). Passou-se, em nome da defesa do “coletivo”, do interesse da “nação”, da “defesa da sociedade”, a afastar os direitos e garantias individuais, em uma espécie de ponderação entre interesses de densidades distintas, na qual direitos concretos sempre acabavam sacrificados em nome de abstrações. Com argumentos utilitaristas (no mais das vezes, pueris, como por exemplo o discurso do “fim da impunidade” em locais em que, na realidade, há encarceramento em massa da população) construía-se a crença na necessidade do sacrifício de direitos.
A Alemanha nazista (como a Itália do fascismo clássico) apresentava-se como um Estado de Direito, um estado autorizado a agir por normas jurídicas. Como é fácil perceber, a existência de leis nunca impediu o terror. O Estado Democrático de Direito, pensado como um modelo à superação do Estado de Direito, surge com a finalidade precípua de impor limites ao exercício do Poder, impedir violações a direitos como aquelas produzidas no Estado nazista. Aliás, a principal característica do Estado Democrático de Direito é justamente a existência de limites rígidos ao exercício do poder (princípio da legalidade estrita). Limites que devem ser respeitados por todos, imposições legais bem delimitadas que vedam o decisionismo (no Estado Democrático de Direito existem decisões que devem ser tomadas e, sobretudo, decisões que não podem ser tomadas).
O principal limite ao exercício do poder é formado pelos direitos e garantias fundamentais, verdadeiros trunfos contra a opressão (mesmo que essa opressão parta de maiorias de ocasião, da chamada “opinião pública”). Sempre que um direito ou garantia fundamental é violado (ou, como se diz a partir da ideologia neoliberal, “flexibilizado”) afasta-se do marco do Estado Democrático de Direito.  Nada, ao menos nas democracias, legitima a “flexibilização” de uma garantia constitucional, como, por exemplo, a presunção de inocência (tão atacada em tempos de populismo penal, no qual a ausência de reflexão – o “vazio do pensamento” a que se referia H. Arendt – marca a produção de atos legislativos e judiciais, nos quais tanto a doutrina adequada à Constituição da República quanto os dados produzidos em pesquisas sérias na área penal são desconsiderados em nome da “opinião pública”).
Na Alemanha nazista, o führer do caso penal (o “guia” do processo penal, sempre, um inquisidor) podia afastar qualquer direito ou garantia fundamental ao argumento de que essa era a “vontade do povo”, de que era necessário na “guerra contra a impunidade” ou na “luta do povo contra a corrupção” (mesmo que para isso fosse necessário corromper o sistema de direitos e garantias) ou, ainda, através de qualquer outro argumento capaz de seduzir a população e agradar aos detentores do poder político e/ou econômico (vale lembrar aqui da ideia de “malignidade do bem”: a busca do “bem” sempre serviu à prática do mal, inclusive o mal radical. O mal nunca é apresentado como “algo mal”. Basta pensar, por exemplo, nas prisões brasileiras que violam tanto a legislação interna quanto os tratados e convenções internacionais ou na “busca da verdade” que, ao longo da história foi o argumento a justificar a tortura, delações ilegítimas e tantas outras violações). E no Brasil?

* * *

Por fim, mais uma indagação: em que medida, as tentativas de proibir a publicação da edição crítica do livro “Minha luta”, de Adolf Hitler, ligam-se à vergonha dos atores jurídicos de identificar naquela obra suas próprias opiniões? Da mesma forma que ilegalidades não devem ser combatidas com ilegalidades, o fascismo/nazismo não deve ser combatido com práticas nazistas/fascistas, como a proibição de livros (aqui não entra em discussão a questão ética de buscar o lucro a partir de uma obra nazista). Importante conhecer a história, para que tanto sofrimento não se repita.  
Rubens Casara é Doutor em Direito, Mestre em Ciências Penais, Juiz de Direito do TJ/RJ, Coordenador de Processo Penal da EMERJ e escreve a Coluna ContraCorrentes, aos sábados, com Giane Alvares, Marcelo Semer, Marcio Sotelo Felippe e Patrick Mariano.

[1] Por todos, vale conferir: GELLATELY, Robert. Apoiando Hitler: consentimento e coersão na Alemanha nazista. Trad. Vitor Paolozzi. Rio de Janeiro: Record, 2011.   
[2] Todesstrafe und Zuchthaus für Anschläge und Verrat. In Völkischer Beobachter, em 02 de março de 1933. 

sábado, 19 de março de 2016

Ordem do dia: resistir contra o golpe!

Estou de volta depois de meses e mais disposto do nunca! Estou postando vídeos da passeata do dia 18-03-16 que ocorreu em Uberlândia contra o golpe da presidenta Dilma.







Outro vídeo da passeata: